
7 mentiras que contaram para você aceitar a Reforma Trabalhista em vigor
Os defensores da Reforma Trabalhista usaram apenas 7 das 100 mudanças na CLT para dizer que era algo bom, porém mesmo as que selecionaram são desastrosas para o trabalhador.
“Ao atrelar a prestação de serviços e a remuneração dos empregados apenas e exclusivamente às necessidades da empresa, o Projeto equipara os trabalhadores aos demais insumos da produção.” Ministério Público Federal. Nota técnica número 1, sobre reforma trabalhista.
Certamente você já deve ter lido ou ouvido por aí que a Reforma Trabalhista é inevitável e necessária, que a CLT precisa ser modernizada, que as leis trabalhistas prejudicam a economia por “dificultar a criação de empregos”, que os trabalhadores celetistas são “privilegiados” que “não querem perder a boquinha”, entre outros “argumentos” que servem de artilharia pesada para o discurso conservador, em seu esforço para convencer a opinião pública de que a reforma trabalhista é algo bom.
Contudo, até onde esse discurso é verdadeiro?
O discurso da “CLT que parou no tempo” é mentiroso porque omite seu histórico de flexibilizações
A legislação trabalhista é antiga, tem mais de 70 anos, e por isso ultrapassada. De fato, a Consolidação das Leis do Trabalho original é do ano de 1943, porém, dos 510 artigos que compõem a parte de direito individual do trabalho, somente 75 permanecem com a redação original, ou seja, apenas 14,7% dos dispositivos não sofreram atualização. Além disso, há dezenas de leis esparsas tratando de novas formas de contratação que não estão inseridas no bojo do diploma legal principal da CLT.
Diversos pontos das 100 alterações propostas pela Reforma Trabalhista já foram alterados em governos anteriores, como no de FHC, de Lula e de Dilma Rousseff, alguns mais de uma vez. Além de ter já alterado ou eliminado algumas leis, algumas também seções já foram excluídas integralmente nas atualizações já feitas [1].
No governo FHC, uma das alterações mais comentadas foi a da portaria 865 [2], elaborada pelo MTE em 1995, que mudava o perfil da Inspeção do Trabalho, a qual, de caráter punitivo, passou a ser educativa. Um exemplo, que inclusive altera o número de carteiras assinadas, foi a extinção da multa dada ao empregador que contratasse sem carteira assinada, como forma de combater o uso da mão de obra informal, ficando no lugar apenas a possibilidade de um registro de ocorrência.
Outra alteração ignorada por aqueles que dizem ser a CLT parada no tempo e que causou diversas críticas, foi a promovida pela Lei nº 9.601/98 [3], que tratava do contrato temporário. Essa lei aumentou a carga horária de trabalho para 44 horas, superando as 40 horas instituídas constitucionalmente, e sem direito a pagamento de horas extras. As determinações desta lei prejudicaram vários trabalhadores, pois deram total autonomia às empresas quanto à contratação temporária, uma vez que possibilitava a dispensa prévia dos trabalhadores sem concessão de direitos básicos, como férias proporcionais, 13º terceiro salário e FGTS.
No artigo “Contrato Temporário de Trabalho – Comentários a Lei n° 9601/98” [4], Manoel Teixeira Filho, que é Juiz do Trabalho e professor da Faculdade de Direito de Curitiba, comenta que “uma das críticas mais contundentes, entretanto, que a ela se tem formulado diz respeito ao fato de o Governo haver optado pelo combate ao desemprego mediante o sacrifício de certos direitos tradicionais dos trabalhadores (…). Tem-se argumentado, ainda, que nos países em que leis semelhantes foram instituídas a taxa de desemprego não diminuiu, como ocorreu, por exemplo, na Argentina e na Espanha. Tanto é verdadeira essa afirmação – insiste-se – que, nesse último país, a legislação dessa natureza foi tornada sem efeito pelo Pacto Laboral de abril de 1917, sancionado pelo Congresso.” (pág. 2)
Ainda houve a Medida Provisória nº 1.726, de 1998 [5], que instituiu a demissão temporária. Esta medida visava facilitar às empresas a gestão de custos, principalmente no tocante aos gastos com encargos trabalhistas, pois possibilitava às empresas a suspensão temporária do contrato de trabalho por um período de cinco meses. Neste tempo, o demitido receberia o seguro desemprego custeado por um fundo bancado com recursos públicos ou arrecadado dos demais contribuintes da ativa.
O barateamento do custo da mão de obra precarizou as relações de trabalho e flexibilizou direitos sociais básicos. Tudo aquilo que os defensores da flexibilização trabalhista pregam ocorreu inversamente: em vez de aumentar salários, diminuiu o salário mínimo da época, reduzindo, assim, o poder aquisitivo dos brasileiros; em vez de criar empregos de carteira assinada, aumentou a informalidade no mercado de trabalho e elevou o índice de desemprego no país. Como se vê, as alterações dando maior “flexibilidade” às leis trabalhistas, como os defensores da atual reforma querem, já foram tentadas recentemente, no entanto trazendo como consequência o inverso de suas previsões.
Ainda podemos rememorar um dos argumentos mais usados contra as garantias constitucionais do trabalhador: o de que o Brasil é campeão de Processos trabalhistas. De fato, em 2016, o número de processos alcançou 3 milhões. Mas, ao contextualizar corretamente esses números, outra realidade se revela. No ano de 2015, 46,9% das ações em curso eram relativas a pagamento das verbas rescisórias (Relatório Justiça em Números 2015, Conselho Nacional de Justiça), e, em 2014, era cerca de 40% [6]. Ou seja, quase a metade da demanda na Justiça do Trabalho se dá pelo simples fato de os patrões não pagarem essas verbas na dispensa do trabalhador, não tendo qualquer relação com rigidez do Direito do Trabalho. O número de processos poderá mais que dobrar em 2017, afinal, quase 7 milhões de trabalhadores sofreram calote das empresas em que trabalhavam, e apenas considerando os casos de saque do FGTS. Vale lembrar que o empregado ainda corre o risco de não reaver a quantia dentro do prazo estipulado [7].
Outro ponto muito comumente usado é que a proteção do direito do trabalho gera desemprego. Conforme mostram as notas técnicas do Ministério Público do Trabalho [8], não há qualquer relação determinante entre a proteção trabalhista e a geração de empregos. Muito pelo contrário, a proteção ao direito do trabalho assegura melhor distribuição de renda, além de demonstrar que longas horas de trabalho e alta rotatividade diminuem sensivelmente a produtividade (Deakin, Malmber e Sarkar, International Labour Review 195, 2014). O discurso de que o Direito do Trabalho se relaciona com o nível de emprego tem origem puramente ideológica.
Expondo a falácia dos 7 argumentos do discurso conservador a favor da Reforma Trabalhista
Entre os defensores da Reforma Trabalhista, destacam-se os (neo)liberais, os mais bem-sucedidos nesse lóbi a favor dos empregadores. Valendo-se da baixa informação do público a respeito das reformas trabalhistas, os (neo)liberais conseguiram, utilizando apenas 7 entre as quase das 100 mudanças que a reforma provocará nas leis trabalhistas , persuadir muita gente de que ela será vantajosa para os trabalhadores. Com essa falácia cherry-picking (ou falácia cata-cereja – saiba mais sobre ela aqui ) eles criaram os seguintes argumentos:
1- A negociação entre empresas e seus empregados será facilitada;
2- Os trabalhadores terão mais liberdade de escolha para decidirem quando tirarem suas férias e em qual dia preferem aproveitar um feriado;
3- O trabalho em casa agora será reconhecido;
4- Demissões podem ser negociadas entre patrão e empregado e o FGTS poderá ser sacado mesmo em caso de pedido de demissão;
5- Trabalhadores terceirizados agora terão acesso aos direitos trabalhistas;
6- O imposto sindical deixará de ser obrigatório (de longe, o “argumento” mais utilizado);
7- Pessoas que trabalham por meio de contratos temporários também poderão garantir direitos trabalhistas.
Evidentemente, as outras dezenas de mudanças, entre as quais aquelas que permitem até 12 horas de trabalho diárias, o fim do pagamento das horas de percurso para trabalhadores que moram longe do trabalho, o fim da garantia de afastamento remunerado de mulheres grávidas e gestantes, inclusive as que trabalham em ambientes insalubres e as consequências reais da terceirização irrestrita, que irá baixar salários e precarizar o trabalhador, são totalmente ignoradas.
Um debate sério sobre o tema exige uma abordagem responsável, baseada em uma análise honesta sobre o que de fato representa essa reforma e qual será o impacto dela na vida do trabalhador, esteja ela corroborando ou não para uma agenda específica. Portanto, diante da exitosa desinformação disseminada pelo discurso conservador a respeito da reforma trabalhista, este artigo tenta mostrar o que eles não mostraram: Mesmo se valendo da falácia do cherry-picking, as 7 mudanças aparentemente positivas escolhidas a dedo entre outras 100 pelos (neo)liberais trazem graves implicações para o trabalhador.
Revisão e contribuição de Jorge Charon
Referências
[1] JOTA – Os 5 mitos da Justiça do Trabalho
[2] Guia Trabalhista – Port. MTE 865/95
[3] Planalto – LEI Nº 9.601, DE 21 DE JANEIRO DE 1998
[4] TEIXEIRA FILHO, Manoel Antônio – Contrato de Trabalho Temporário Comentários à Lei nº 9601/98 (PDF)
[5] Presidência da República – MEDIDA PROVISÓRIA Nº 1.726, DE 3 DE NOVEMBRO 1998
[6] Consulto Jurídico – Mais de 40% das ações trabalhistas tratam de verbas rescisórias
[7] JP – Saque do FGTS: quase 7 milhões levam calote e podem não reaver quantia dentro do prazo estipulado
[8] MPT – Notas técnicas do Ministério Público do Trabalho
[9] IBGE – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PDF)
[10] EISNTEIN, Albert – O Perigo Fascista e o Desemprego
[11] Estado de Minas – Reforma trabalhista prevê que férias possam ser determinadas pelo empregador
[12] Estadão – CNI defende jornada de trabalho de 12 horas
[13] Huffpost BR – Truque na reforma trabalhista amplia terceirização para todas as atividades
[14] ConJur – Lei da terceirização não é clara quanto à permissão para atividade-fim
[15] CUT – Diga não ao Imposto Sindical
[16] Valor Econômico – Fiesp oferece filé mignon a manifestantes pró-impeachment na Paulista
[17] _________________ – O desmonte parcial do corporativismo
[18] Senado Notícias – CNI quer votação de projeto que atualiza a base de cálculo da contribuição sindical patronal
[19] Presidência da República – LEI Nº 11.648, DE 31 MARÇO DE 2008
[20] Law of Work – Most Highly Unionized Countries Top ‘Happiest Countries” List, Again. Why?
[21] Nexo Jornal – O que é o Sistema S, quanto custa e a quem beneficia
[22]ETHCI – UMA ESCOLA DOS TRABALHADORES PARA OS TRABALHADORES